Todos nós que gostamos de uma boa leitura , no meu caso particularmente , vez ou outra adquiro livros em sebos ... o mais barato que eu comprei custou me 1 Real - trata se de "Martim Cererê". Falando do valor pago pelo livro - 1 Real , penso que , mesmo sendo livro de sebo .. 1 Real é um valor irrisório demais para uma obra de tal importância para a construção de nossa literatura modernista.
Definitivamente eu sou um pouco suspeito pra resenhar este livro, embora após uma primeira e superficial lida . Martim Cererê é o tipo de livro que encanta, é o tipo de livro que você, de início, faz pouco caso, mas, ao terminar, exclama: As pessoas precisam ler isto! Na verdade é um livro "verde e amarelo" - bem Brasil.
Não há outra melhor palavra para definir essa obra do que genial.
Em síntese, basicamente a estória retrata as origens do Brasil desde seus primórdios, antes de seu “achamento”, passando pelo processo de interiorização do território e seu desenvolvimento. Mas e a peculiaridade? Está no fato de Cassiano Ricardo ter criado uma riquíssima mitologia pra fazer este percurso. Criaturas fantásticas, gigantes, lendas brasileiras. Está tudo lá dentro, e entoada numa poesia modernista que salta aos olhos, tamanho o poder. Muitas pessoas poderão torcer o nariz para o fato de eu ter dito que é escrito em poesia. Sabe-se que a poesia, embora legitimamente digna de apreciação, não vem lá nestas últimas décadas sendo muito valorizada pelos leitores: eu mesmo já carreguei este preconceito dentro do mim.
Preciso confessar, todavia, que muito do encanto desta obra se perderia se escrita de outra maneira. Colocarei um trecho aqui pra exemplificar o que eu quero dizer:
LADAINHA
Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome de [Ilha de Vera Cruz.
Ilha cheia de graça Ilha cheia de pássaros Ilha cheia de luz.
Ilha verde onde havia mulheres morenas e nuas anhangás a sonhar com histórias de luas e cantos bárbaros de pajés em poracés [batendo os pés.
Depois mudaram-lhe o nome pra Terra de Santa Cruz. Terra cheia de graça Terra cheia de pássaros Terra cheia de luz.
A grande Terra girassol onde havia guerreiros de [tanga. e onças ruivas deitadas à sombra das árvores [mosqueadas de sol.
Mas como houvesse, em abundância, Certa madeira cor de sangue cor de brasa e como o fogo da manhã selvagem fosse um brasido no carvão noturno da paisagem, e como a Terra fosse de árvores vermelhas e se houvesse mostrado assaz gentil, deram-lhe o nome Brasil.
Brasil cheio de graça Brasil cheio de pássaros Brasil cheio de luz.
VIDEO :
O livro foi escrito sob um nacionalismo tão exacerbado que é impossível ler e não desenvolver um patriotismo quase ufanista. Cassiano Ricardo, que fez parte da Academia Brasileira de Letras, sem dúvida, é um dos maiores poetas brasileiros (e me deixa muito triste o fato de ser pouco conhecido). Por último, considero este livro de leitura fundamental, e recomendo infinitamente (para amantes e não amantes de poesia). E uma recomendação especial: digo que não é uma leitura fácil, e muitos, acomodados pelas leituras “mastigadas” de hoje, sentir-se-ão tentados a abandonar. Aos que persistirem, caso tenha motivado aqui alguém a ler (o que me deixaria infinitamente feliz), aconselho a andar com um lápis junto ao livro.
Cada detalhe tem muito de conhecimento ocultado por simbologia, o que torna a leitura quase uma brincadeira de enigma. Atente aos nomes dos personagens, eles dão muitas dicas. Encerro com a melhor definição que se poderiam fazer sobre a obra, escrita por Guilherme de Almeida: “O livro da Gênese Verde do nosso verdadeiro Antigo Testamento.”
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